Escrevendo sobre hospitais muçulmanos, Scott diz:
“Nas capitais polidas de Damasco e Cairo, um número de instituições médicas esplendidamente nomeadas - universidades, hospitais, dispensários, laboratórios - surgiram. Os serviços dos médicos mais distintos eram dados gratuitamente para os pacientes dos hospitais. Os arranjos higiênicos destes últimos eram, em muitos aspectos, superiores mesmo para aqueles ditados pelo espírito do progresso científico moderno. Eles eram maiores, melhor organizados, e mais espaçosos. A pureza do ar era assegurada por um sistema de ventilação minuciosa. Havia fontes por todo o lado, - nas cortes, nos corredores, nos jardins. Enfermarias colocadas sob direção dos especialistas competentes eram nomeadas para o tratamento e estudo de cada doença. Pacientes loucos recebiam prescrições como os outros, e tinham os seus assistentes, seus banhos e seus entretenimentos.” [1]
Nós sabemos de 34 hospitais estabelecidos no Islam neste período. O hospital mais famoso no Islam foi fundado em Damasco em 706; em 978, este tinha 24 médicos. Instruções médicas eram dadas principalmente nos hospitais [2]. Hospitais foram construídos cedo na terra do Islam, o trabalho de ambos os tulunídas do Egipto e aghlabídas da Tunísia. O governante aghlabída, Ziyadat Allah I (817-838), construiu um hospital na cidade em 830, um dos mais pioneiros do seu gênero, chamado Hospital ad-Dimmah, tendo este sido construído no quarteirão de ad-Dimmah, perto da grande mesquita de al-Qayrawan [3]. O Hospital de Ibn Tulun, estabelecido em al-Fustat em 872, era situado entre a mesquita de Ibn Tulun e a serra de al-Gareh, num dos quarteirões mais populados de Fustat. Este absorveu vastos recursos em ambas construção e administração; e também incluía uma biblioteca de 100 000 livros [4]. O seu financiamento vinha primeiramente do bazaar e de outros waqfs; era dada aos pacientes uma vestimenta e cama especiais, e eram-lhes servidos refeições e medicamentos; os médicos atendiam os pacientes todos os dias; e todas as sextas-feiras Ibn Tulun visitava o hospital, inspecionava os suprimentos, conferia com os médicos e visitava os pacientes [5].
Figura 1: Páginas 270-271 de uma edição do século XVIII da tese de Rhaze sobre a varicela e o sarampo: Maqala fi al-jadari wa al-hasbah (De variolis et morbillis), em árabe e com tradução em latim, esta tradução tendo sido feita por Salomon Negri, um padre melequita de Damasco. [Coleções Especiais da Biblioteca da Universidade de Glasgow, MS Hunter 133 - Fonte]
No começo do século XII, o hospital no Islam já tinha alcançado padrões muito avançados. Assim, em Damasco, o maior hospital construído em 1156 por Nur al-Din Zangi: O Hospital Al-Nuri, foi posto sob direção do médico Al-Bahili. Este era bem abastecido com comida e medicamentos, e tinha uma biblioteca bem completa para ensino [6]. Ibn Jubayr admirava, mais particularmente, a maneira como o administrador do hospital mantinha um registro dos pacientes [7], provavelmente um dos primeiros do gênero [8]. Em Marrocos, em 1990, Al-Mansur Yaâ’qub Ibn Yusuf construiu um hospital em Marrakech numa área espaçosa cercada por árvores de fruto, flores e vegetais [8]. Água, disse o historiador al-Marrakuchi, “era trazida em aquedutos a todas as seções, para além de quatro piscinas no centro, uma das quais era feita de mármore branco”. A renda diária era de 30 dinars de ouro para a compra de abastecimento de comida, medicamentos, e despesas imprevistas. Os médicos cuidavam dos doentes e prescreviam dietas e medicamentos, enquanto nomeavam farmacêuticos para a composição e preparação de medicamentos. Aqui também, era provido aos pacientes uma vestimenta para as épocas de Verão e Inverno. No Cairo, em 1285, o sultão Qalawun começou a construção do Hospital Al-Mansuri; o maior de todos. Este atendia 4000 pacientes diariamente, tinha diferentes enfermarias atendendo doenças diversas, e até terapia para os pacientes mentais [9]. O Hospital Al-Mansuri foi descrito por Durant:
“Dentro de um espaçoso recinto quadrangular, quatro edifícios surgiam em torno de um pátio decorado com arcadas e refrescado com fontes e riachos. Havia alas separadas para diversas doenças e para convalescentes; laboratórios, um dispensário, clínicas de pacientes de fora [do hospital], cozinhas de dieta, banheiros, uma biblioteca, uma capela, uma sala de aula, e acomodações particularmente agradáveis para os insanos. O tratamento era dado grátis para homens e mulheres, ricos e pobres, escravos e livres; e uma soma de dinheiro era dispersa a cada convalescente em sua partida, para que ele não precisasse de voltar ao seu trabalho logo. Os pacientes com insônia eram tratados com (…) profissionais contadores de histórias, e talvez livros de história" [10].
Todas estas instituições era apoiadas pelo governo, e colocadas sob supervisão do médico de corte, o chefe da sua profissão, que era severamente responsável pela sua administração apropriada [11].
Para este emprego importante e responsável, a crença no Islam não era de todo essencial; honestidade, habilitações, e indústria eram as únicas recomendações favorecidas imperialmente, e os conselheiros médicos dos sucessores do Profeta ? eram frequentemente cristãos e judeus [12]. Em todos os hospitais, registros de casos eram abertos e preservados, e maior importância era dada às observações feitas perto da cama do paciente do que a informação obtida pelo uso de livros [12].
Da mesma forma, a Espanha muçulmana também brilhava graças às suas instituições hospitalares. O serviço de hospital desse país recebeu pouca atenção dos historiadores, mas é bem improvável que, no avanço geral da civilização, este auxiliar importante da medicina tenha sido negligenciado de todo [13]. É um facto peculiar que o único vestígio detalhado de um hospital mouro na Península tenha sido de Algeziras, que foi fundado no século XII, mas há relatos de que muitas instituições públicas deste gênero existiram em algum tempo em Córdoba [14]. Os médicos muçulmanos hispânicos ofereciam consultas perto da cama dos seus pacientes; alguns, empregados pelo governo, visitavam os doentes em localidades remotas a intervalos regulares; para os pobres, havia atendimento e tratamento generosos [15].
Em muitos dos hospitais prescritos, aulas eram dadas no grande corredor do hospital. Estas consistiam na leitura de um manuscrito de medicina chamado “Manual do Médico”, pois estes textos na forma de manuscritos eram escassos e raramente possuídos pelo estudante de medicina [16]. Seguindo a leitura, o médico chefe ou cirurgião perguntava e respondia questões aos estudantes. Ensino perto das camas dos pacientes era considerada a parte mais importante do treinamento [17]. Os estudantes seguiam em grupos o médico ou cirurgião durante os seus turnos de enfermaria; os estudantes mais avançados observavam o médico, mais tarde no dia, tomando nota do histórico e fazendo examinações dos pacientes, e prescrevendo para eles no departamento de clínica para os pacientes de fora do hospital. O tempo exato para treinamento do estudante de medicina deve ter variado de acordo com tempos e lugares diferentes [18].
Fonte: Muslim Heritage
Notas de rodapé:
[1] S. P. Scott, History of the Moorish Empire, op. cit., vol. 3, p. 508.
[2] W. Durant, The Age of Faith, op. cit., pp. 245-246.
[3] S. K. Hamarneh, Health Sciences in Early Islam, Noor Foundation and Zahra Publications, Texas, 1983, p. 102.
[4] F.S. Haddad, in I.B. Syyed, "Medicine and Medical Education in Islamic History", in Islamic Perspectives, edited by S. Athar, pp. 45-56; p. 48.
[5] A. Issa Bey, Histoire des hopitaux en Islam, Beirut: Dar ar ra'id al-'arabi, 1981, pp. 112-115.
[6] S. K. Hamarneh, Health Sciences in Early Islam, op. cit., p. 100.
[7] Ibn Jubayr, Al-Rihla. The Travels of Ibn Jubayr, translated by R. J. C. Broadhurst, Jonathan Cape, 1952, pp 283-4.
[8] S. K. Hamarneh, Health Sciences, op. cit., p. 100.
[9] Abd al-Wahid al-Marrakushi, Al-Mu'jib fi talkhis akhbar al-Maghrib, edited by R. Dozy (Leiden, 1881), pp. 208-10 (quoted in S. K. Hamarneh, Health Sciences, op. cit., p. 103).
[10] F. S. Haddad in I.B. Syyed, "Medicine and Medical Education", op. cit., p. 48.
[11] W. Durant, The Age of Faith, op. cit., pp. 330-331.
[12] S.P. Scott, History of the Moorish Empire, op. cit., vol. 3, pp. 508-509.
[13] Ibidem.
[14] Ibidem.
[15] Ibid, p. 516.
[16] Ibidem.
[17] Ibidem.
[18] A. Whipple, The Role of the Nestorians and Muslims in the History of Medicine, op. cit., p. 59.
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